Berliner Tageblatt - Mohammad Rasoulof conta em Cannes como fazer um bom filme clandestino

Mohammad Rasoulof conta em Cannes como fazer um bom filme clandestino
Mohammad Rasoulof conta em Cannes como fazer um bom filme clandestino / foto: © AFP

Mohammad Rasoulof conta em Cannes como fazer um bom filme clandestino

"São necessários 20 anos de formação para aprender" a fazer um bom filme clandestino, declarou, em entrevista à AFP, o cineasta iraniano Mohammad Rasoulof, depois da estreia em Cannes de seu filme sobre as mulheres e a liberdade em seu país.

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Filmado de clandestinamente, "The Seed of the Sacred Fig" ("A Semente do Figo Sagrado", em tradução livre do inglês), na disputa pela Palma de Ouro, surgiu quando o diretor estava preso e é ambientado durante os protestos que sacudiram o Irã no final de 2022, após a morte da jovem Mahsa Amini.

PERGUNTA: O que significa filmar clandestinamente no Irã?

RESPOSTA: "São necessários 20 anos de formação para aprender. Se não, qualquer um poderia fazer um bom filme clandestino... Falando sério, quanto mais você frequenta os interrogatórios, o serviço secreto, mais você sabe como evitá-los. Como eles lhe mostram seus e-mails, você entende como deve escrevê-los [para não ser descoberto]. Eles lhe mostram suas contas bancárias e você entende que não deveria ter usado o cartão de crédito.

A cada vez que passa tempo com eles, você entende como eles o encontraram. E como evitar ser pego da próxima vez. Admito que há algo de gângster no meu caso. Mas a prisão é um bom lugar para aprender essas coisas."

P: Você mostrou em Cannes as fotografias de dois de seus atores...

R: "Toda a equipe que ficou no Irã está ameaçada, preocupada, seja meu diretor de fotografia, meu cenógrafo, meu figurinista, maquiador, todo mundo. Todos os que trabalharam nesta equipe e para este filme são, neste momento, vítimas de intimidações. Escolhi esses dois atores como símbolo desta equipe, porque só tenho duas mãos."

P: O que pode proteger os que ficaram no Irã?

R: "Acredito que é preciso exercer uma pressão política contra o regime iraniano para que cesse a repressão e a censura aos artistas. Simplesmente, o fato de descrever sua situação, de dizer quais são as pressões que sofrem, já é um bom começo. Talvez seja um pouco idealista pensar que essa pressão política chegará, mas estou convencido de que é a única forma de obter uma mudança."

P: Disse que espera que a ditadura desapareça. Em que se baseia a sua esperança?

R: "Há cerca de dois anos, quando a campanha pela libertação das mulheres ['Mulher, vida, liberdade'] começou, ninguém pensou que, após a morte de Mahsa Amini, as pessoas se manifestariam como fizeram. Acredito que o povo iraniano está cheio de raiva, mas que espera a ocasião para mostrar isso."

P: A morte do presidente Raisi abre um período de incerteza. Você acredita que o sistema pode mudar por dentro?

R: "Sempre há uma esperança, mas é difícil prever os acontecimentos políticos. Eu sou incapaz. Tudo o que espero é que esta mudança chegue e que o povo iraniano possa respirar."

P: Quais são seus planos agora que deixou o Irã?

R: "Não tenho planos de voltar imediatamente ao Irã, e vou trabalhar, fazer filmes, vou me inserir rapidamente em outro projeto. Talvez um projeto de animação, fazer 'stop-motion' com personagens de argila, ou outra coisa. É certo que vou me inspirar de novo rapidamente em minha experiência na prisão."

G.Schulte--BTB